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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Hoje


Vou deixar a moça em paz
Essa a quem você faz
Os mesmos elogios que a mim dedicava.
Vou beber o esquecimento
Como quem bebe a própria morte
E rezar três terços
Para que você seja muito feliz
Mesmo não sendo mais o meu rapaz.

Hoje eu decidi:
Não esfrego mais veneno na ferida que eu mesmo feri.
E não golpeio mais o coração que quer bater longe de mim.
Hoje eu bebo o sono
Como quem lambe cianeto que escorre devagar
Da enfermidade que um dia vai cicatrizar.

As gavetas do teu quarto

O fato é que eu poderia mesmo nunca ter aberto aquelas gavetas
Deveria ter a deixado intacta sob a poeira das estrelas mortas
Ter apenas marcado na madeira uma mensagem pra você com a ponta dos dedos
mensagem essa que poderia ser a mesma que te escrevi outrora com pintura dos olhos no seu espelho
E você com giz de cera na porta do meu quarto.

Mas não me bastou.
E seu espelho estava limpo.
E meu quarto não é mais o mesmo.
Nós nunca mais seremos os mesmos, e foi por isso que abri as gavetas.

Silenciosamente retirei o resto de mim
Não me esquecendo apenas de esquecer uma camiseta qualquer, um par de meias desparceirado.
Que é pra gente não esquecer onde é que está a outra metade de nós mesmos
Que é pra gente não esquecer jamais.

Que sensação mais estranha é essa
A de vestir o passado
Mas beber lágrimas do presente
E sentir o gosto amargo do futuro...

Quantas perguntas cabem no espaço de umas simples gavetas?