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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Apesar dos pesares

Eu sinto tanto a sua falta que os dias que ainda não existiram são recortes.
São apenas colagens dos seus livros num baú no canto do meu quarto insistentemente empoeirado. Perdoa por um minuto. Eu poderia ter me esforçado bem mais. Perdoa pela novela que eu queimei e pelo filme que não vi até o final.
Eu quero escrachar minha solidão na parede das artérias daquele velho coração cansado de bombear o sangue que eu sempre derramo em vão.
Cala por um minuto. Desligue a minha mente, porque eu não consigo parar de insistir naquele impossível tão bonito.
Minha existência corre na contramão e eu sou só uma pessoa desesperadamente perdida. O asfalto ácido brilha na chuva áspera dos meus olhos. Não posso deixar que essas gotas de arsênico toquem sua pele macia.
Não posso mais.
Eu sinto tanta saudade dos dias que não vão existir que o despertador é um recorte. O calendário, o semáforo, a linha do trem. Recortes de franjinhas em tudo que é torto.
E eu que não passo de um ser vil e desorganizado, egoísta até os ossos vivendo de pesar em pesares. Deita aqui um pouco, vá se embora pela manhã, amanhã a gente esquece, bebe, deita com outrém. É que apesar de tudo, demônia, eu te amo.