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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Agosto: desgosto.

Nem é tanta coisa assim.
Só agora, depois de muito esfregar os olhos, é que vejo a coisa como um todo. Um emaranhado de nós, fios e fios se entrelaçando sem nunca denunciar onde é que está a ponta da primeira linha. Onde é que se rompeu e se entrelaçou novamente a corda. Remendos em cima de remendos, um livro inteirinho sem capítulos, daqueles que a gente se perde fácil...
Não é tanta coisa assim, é só uma... é essa coisa imensa que não cabe mais dentro de mim.
Sinto que eu deveria sentir amor, mas no lugar disto, apenas desespero.
 Desespero esmagador, no choro mudo e no soluçar violento, na cara rubra e na pele quente, no calafrio e no medo...
Sabe, meu bem... a verdade é que já não suporto mais entediar-te  tanto assim. Não suporto essa injustiça e eu morro um pouco todas as vezes que vejo a sua juventude escoar junto a minha pia cheia de louças...
 São nesses dias que essa sombra imensa se ergue na parede e me segue tão feroz, tão inabalável, como é que se escapa da sombra, pior ainda, como é que se escapa da própria sombra??
Se na luz meus medos ficam ainda mais expostos... pelo menos no escuro não vejo.
E se eu conseguisse fazer muita força, uma força capaz de mudar o mundo, capaz de reverter todas as coisas ruins... ah
Mas daí não seríamos nós.

Tinta de pele

O seu coração tropeça no descompasso do próprio samba, escuro. Porém,  sua respiração é capaz de me fazer imaginar o repouso dos anjos... Não que isso signifique muito. Nós sabemos que uma mente barulhenta não descansa, mas comete desvairos, imagina vertigens e você é uma das minhas.
Você é o gelo na barriga... e o batom dos meus lábios
é o meu esforço pra continuar acordada, e a minha vontade de te ver dormir.
Você é meu porre, minha ressaca, mas principalmente o meu delírio.
Você é minha miragem nesse deserto eterno, é uma cabana na floresta fria.
É madeira quente, com cheiro forte e lento no meu lençol
Quero sorrir tua alegria e beijar suas lágrimas
Quero te vestir assim como vestes a tinta da tua pele.

Romance em 12 linhas

Quanto tempo falta pra gente se ver hoje?
Quanto tempo falta pra gente se ver logo?
Quanto tempo falta pra gente se ver todo dia?
Quanto tempo falta pra gente se ver sempre?
Quanto tempo falta pra gente se ver dia sim dia não?
Quanto tempo falta pra gente se ver às vezes?
Quanto tempo falta pra gente se ver cada vez menos?
Quanto tempo falta pra gente não querer se ver?
Quanto tempo falta pra gente não querer se ver nunca mais?
Quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que não se viu?
Quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer?

Quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu?

Chove na lua

A minha mente apaga pedaços do tempo
Para que eu possa seguir em frente livre da moldura de cobre que agarra as memórias
E a vida da gente passa de repente,  esbarrando em rastros de aromas que estão sempre suspensos no ar
Mas quando chega a chuva, o vento empurra pra debaixo da pele as explicações esfoladas da alma... sentimentos ja incinerados voltam a aquecer as pontas dos dedos, o coração pesa dentro do peito, e nem todo o tempo nem todo o vento do mundo é capaz de tirar de mim o fantasma do seu beijo
Seu veneno doce correndo lentamente em minhas veias me faz sentir viva.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O mundo é um moinho

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.
Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés

Cartola

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Extraordinário

Já fazia algum tempo que eu não chorava como chorei nesses primeiros minutos de uma manhã qualquer que ainda está por raiar em agosto
Nem é setembro, e já começou a doer
Aquela ferida que se abre depois de tantas partidas, foi junho ou julho do ano passado na última vez
Eu simplesmente não consigo lidar com essas despedidas toscas
Eu não sou boa o suficiente pra conseguir fazer tudo que me dá vontade e nem forte o bastante pra superar o fato de que eu nunca mais farei as coisas que deixei pra lá
"Eu não suporto te perder assim, tão cronicamente"

Agora tento tirar rapidamente esse amargo do rosto, esse sal dos olhos
Tudo anda sendo tão rápido, e eu tenho tão pouco tempo
Antes eu achava que nós tínhamos todo o tempo do mundo
Antes eu achava que poderia te ganhar com palavras
Eu acreditei que te guardei dentro do meu peito pra sempre, sempre...
Mas eu era tão tola.
E de tão burra que fui, deixei tudo isso acontecer, deixei que os dias escapassem pelos meus dedos como uma areia fina, e deixei que o vento soprasse meus barcos de papel, e que a porra das ondas apagassem o escrito de cristo na areia
Foda-se a intervenção divina
Eu não quero mais crer no extraordinário uma vez que tudo de mais extraordinário que aconteceu na minha vida
Eu perdi.