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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O mundo é um moinho

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.
Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés

Cartola

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Extraordinário

Já fazia algum tempo que eu não chorava como chorei nesses primeiros minutos de uma manhã qualquer que ainda está por raiar em agosto
Nem é setembro, e já começou a doer
Aquela ferida que se abre depois de tantas partidas, foi junho ou julho do ano passado na última vez
Eu simplesmente não consigo lidar com essas despedidas toscas
Eu não sou boa o suficiente pra conseguir fazer tudo que me dá vontade e nem forte o bastante pra superar o fato de que eu nunca mais farei as coisas que deixei pra lá
"Eu não suporto te perder assim, tão cronicamente"

Agora tento tirar rapidamente esse amargo do rosto, esse sal dos olhos
Tudo anda sendo tão rápido, e eu tenho tão pouco tempo
Antes eu achava que nós tínhamos todo o tempo do mundo
Antes eu achava que poderia te ganhar com palavras
Eu acreditei que te guardei dentro do meu peito pra sempre, sempre...
Mas eu era tão tola.
E de tão burra que fui, deixei tudo isso acontecer, deixei que os dias escapassem pelos meus dedos como uma areia fina, e deixei que o vento soprasse meus barcos de papel, e que a porra das ondas apagassem o escrito de cristo na areia
Foda-se a intervenção divina
Eu não quero mais crer no extraordinário uma vez que tudo de mais extraordinário que aconteceu na minha vida
Eu perdi.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

É sobre eu e você

Linha que pena em atravessar a agulha
Eu e você.
Agulha que pena em atravessar um tapete grosso
Você e eu.

Juntos, éramos mais fortes, éramos quase invencíveis.
E por conta disso que a vida nos derrubou tanto.
Longe de ti, eu vi tudo tão embaçado. Longe, nós dirigimos em estradas diferentes e batemos os carros no mesmo lugar
De baixo da mesma lua foi que choramos baixinho, sem querer acordar um ao outro
Sem nos dar conta de que, juntos, não precisaríamos de tantas lágrimas...
Sem ao menos perceber que o outro não dormia.

Eu e você
cowboys, bandidos, heróis.
A vida foi quem nos intercalou em meio a tanto silêncio
E seus olhos em meio ao mar aberto de sentimentos
Disse tanto que me fez chorar.

É sobre nós dois embaixo daquele pé de caju
Sobre aquela mesa de bilhar
E aquele seu jeito tão meu de andar...

Eu e você
Bichos do mato, aves noturnas, seres da parte mais profunda do oceano
E nossas marcas de expressões. E nossas formas de entreabrir os lábios.
O som da sua risada paira na minha
E a lembrança do seu sorriso bobo, me olhando jogar bola com a vizinha da frente...
Apesar da dor e da saudade, do arrependimento e da culpa
É sobre amor que falo
É sobre como nunca mais te deixo morrer outra vez.

Eu te amo demais.




quinta-feira, 10 de abril de 2014

Luz da minha vida

- “... – e eu não conseguia parar de olhar para ela, e soube tão claramente como sei agora, que estou prestes a morrer, que a amava mais que tudo que já vi ou imaginei na Terra, ou esperei descobrir em qualquer outro lugar. Ela era só um eco de aroma tênue violeta e folhas mortas da ninfeta sobre quem eu rolara no passado com tantos gritos; um eco à beira de uma ravina rubra, com um arvoredo esparso sob um céu branco, folhas castanhas entupindo o leito do riacho, e um último grilo perdido em meio à relva ressecada... mas graças a Deus não era só esse eco que eu adorava.”

(Lolita)

quinta-feira, 6 de março de 2014

"Seja forte" é o que eles dizem.
Ninguém pergunta se eu quero mesmo ser forte.
Depois de tanto, tudo que eu queria era ser fraca, bem pequenininha outra vez, pra caber nos seus braços, pra olhar aquele teu rosto de baixo, e não de cima. Pelo amor de Deus, não de cima. Eu sempre fui pequena, minha mão nunca deixou de caber na sua.
E por falar em mãos, eu quero agarrar o calor dos seus dedos, aquele que deixou na minha pele na quinta feira passada.
Nós somos tão parecidos, meu bom...
Nós, agora, somos um só.

terça-feira, 4 de março de 2014

Morrer em Hospital

Outra luz vermelha se acende no balcão da enfermaria
O enfermo precisa que levem a dor embora
Outra enfermeira vem pelo corredor raspando as coxas e arrastando os sapatos de pano, antes não tinha pressa, mas agora que gritam e choram, então acelera os passinhos lembrando então uma ave gorda e inóspita, sem poder nenhum sobre a vida alheia
O enfermo quer um travesseiro, o enfermo quer poder se deitar sem sentir um ácido corroer as costelas, os pulmões, o coração e o estômago. Quer conseguir dormir, quer poder comer -Não quer nada disso, quer que levem a dor embora e só.
Os que assistem ao nebuloso espetáculo da tortura é que querem o maldito travesseiro, mas a enfermeira quer ligar na "hotelaria"
Afinal a estadia em um hospital deveria ser confortável, mas não é, nunca foi.

Outra luz vermelha se acende no balcão da enfermaria
Quer levar a dor embora, quer chorar feito criança, quer abraçar, quer desfalecer em abraços conhecidos, quer que o desobediente braço cheio de agulhas se erga aos céus e quer que Deus exista, mas vê o diabo vestido de branco, vê a morte montada em um cavalo castanho, avista ao longe um chapéu de palha, uma, duas, três, quatro crianças nascendo, uma morrendo, e sente o toque de que já não se lembrava mais, algo muito humano, algo muito surreal.
Ah não... A vida e a morte, tudo deveria ser tão mais natural.
Vivemos nos envenenando, a gente morre com gente nos enganando.
"Logo logo tá em casa."
...
..
.
E não há, Oh mundo, não há mais nada que não me faça pensar em como os animais lidam melhor com a morte do que nós.
Os elefantes quando velhos caminham em direção à morte de forma natural e tão sábia, os gatos envenenados morrem em telhados distantes e assim segue a vida, uns caem por terra, outros nascem, nunca acaba.
Porém, como uma planta seca e retorcida, alterada, manipulada, presa em um vaso com suas raízes diminutas, morremos nós em quartos de hospitais, sem muito poder fazer, sem coragem de nos entregarmos, pois estamos entre estranhos, algemados cara a cara com o desconhecido, e então sofremos, e sofremos, sofremos até que a morte nos alcance, e até que a morte consiga beijar os lábios daqueles que tem canos ou máscaras enfiadas na cara e na boca, demora demais.

Ele dormiu numa manhã de sábado, depois de tanto cansaço.