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terça-feira, 4 de março de 2014

Morrer em Hospital

Outra luz vermelha se acende no balcão da enfermaria
O enfermo precisa que levem a dor embora
Outra enfermeira vem pelo corredor raspando as coxas e arrastando os sapatos de pano, antes não tinha pressa, mas agora que gritam e choram, então acelera os passinhos lembrando então uma ave gorda e inóspita, sem poder nenhum sobre a vida alheia
O enfermo quer um travesseiro, o enfermo quer poder se deitar sem sentir um ácido corroer as costelas, os pulmões, o coração e o estômago. Quer conseguir dormir, quer poder comer -Não quer nada disso, quer que levem a dor embora e só.
Os que assistem ao nebuloso espetáculo da tortura é que querem o maldito travesseiro, mas a enfermeira quer ligar na "hotelaria"
Afinal a estadia em um hospital deveria ser confortável, mas não é, nunca foi.

Outra luz vermelha se acende no balcão da enfermaria
Quer levar a dor embora, quer chorar feito criança, quer abraçar, quer desfalecer em abraços conhecidos, quer que o desobediente braço cheio de agulhas se erga aos céus e quer que Deus exista, mas vê o diabo vestido de branco, vê a morte montada em um cavalo castanho, avista ao longe um chapéu de palha, uma, duas, três, quatro crianças nascendo, uma morrendo, e sente o toque de que já não se lembrava mais, algo muito humano, algo muito surreal.
Ah não... A vida e a morte, tudo deveria ser tão mais natural.
Vivemos nos envenenando, a gente morre com gente nos enganando.
"Logo logo tá em casa."
...
..
.
E não há, Oh mundo, não há mais nada que não me faça pensar em como os animais lidam melhor com a morte do que nós.
Os elefantes quando velhos caminham em direção à morte de forma natural e tão sábia, os gatos envenenados morrem em telhados distantes e assim segue a vida, uns caem por terra, outros nascem, nunca acaba.
Porém, como uma planta seca e retorcida, alterada, manipulada, presa em um vaso com suas raízes diminutas, morremos nós em quartos de hospitais, sem muito poder fazer, sem coragem de nos entregarmos, pois estamos entre estranhos, algemados cara a cara com o desconhecido, e então sofremos, e sofremos, sofremos até que a morte nos alcance, e até que a morte consiga beijar os lábios daqueles que tem canos ou máscaras enfiadas na cara e na boca, demora demais.

Ele dormiu numa manhã de sábado, depois de tanto cansaço.

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