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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Sonofobia

Não é sobre a patologia que faz as pessoas terem medo de sons altos. É medo do sono.
As vezes chamo de insônia, ganhou um nomezinho popular, dizem por aí que é normal, e todo mundo tem, e o mundo vende mais Rivotril do que Água.
Tanto porquê, no desespero, a gente engole a seco mesmo, a pequena pílula passeia pela garganta arranhando cada cantinho, como quem quer avisar à todos que chegou. Uma dolorida proposta de paz.
E então quando me perguntam sobre a aparência fúnebre de todas as minhas manhãs, eu respondo o clichê, é duro ter que ficar explicando as coisas pras pessoas, e as pessoas perguntam demais, elas na verdade não querem saber se você está bem, mas sim se você está tão mal ou pior que elas.

Insônia a gente resolve com cafuné, com chá de erva doce, Rivotril, Dramin, Lexotan ou uma ponta.
Mas o medo de dormir é mais complicado, gente, é mais delicado. Se trata do medo de deitar na cama. Se trata, enfim, dos pensamentos que me vem à cabeça na hora mais escura da noite. É aquele arrepio na espinha, aquela dor de cabeça que dói dentro do cérebro, dentro das lembranças feias.
É o medo de deixar o cérebro fluir sem obstáculos, é o medo de se desocupar, de ser obrigada a tirar os olhos do livro, de ter de parar de prestar atenção no trabalho e deixar apenas seus pensamentos voarem....
Mas meu medo se resume no crítico problema dos meus pensamento nunca terem sido bons pilotos.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Bilhete para mamãe

Hoje o dia amanheceu bonito.
Hoje os as coisas se inverteram, a madrugada que antes eu idolatrava hoje me assustou, e o sol, que outrora incomodava tanto os olhos, dessa vez me acalmou. Abri a janela, pois a muito não via as folhas verdes dançando com tanta paz.
Hoje, os personagens da peça de teatro mudaram os papéis, foi Julietta quem morreu primeiro, foi ela quem se enganou com a química do tempo e com o veneno da flor.
Uma correspondência de amor chegou na casa do carteiro solitário e pobre.
Hoje a mídia parou e as pessoas compraram livros.
Hoje foi Bush quem pediu esmola, e o violeiro sem sapatos encheu o chápeu de moedas.
Hoje a Kwait amanheceu limpo, e o sangue que escorria do rosto dos soldados viraram sorrisos estampados em feições serenas.
Hoje o dia amanheceu bonito, bonito de se ver. O cheiro da dama da noite se transformou em camomila fresca.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Viver mata.

Quem fuma morre, diz naquela placa.
Se eu trabalhar demais eu posso ter uma crise de estresse e foder alguns neurônios, disse a psicóloga.
Mas quem fuma maconha mata o cérebro, disse meu pai.
Quem come demais também morre, disse o cirurgião-cardiaco.
Então eu vou ver televisão, mas posso morrer de alienação, enquanto coço os culhões, a barba por fazer e uma pizza de calabresa na mesa de centro. Aí eu fico gordo, aí não arrumo namorada, aí não caso, não tenho filhos e fico na solidão. Solidão traz depressão e quem tem depressão também morre.
Morre porquê se mata ou morre porquê não come.
E se eu ficar sem comer, fico magro, e todo mundo vai pensar que tenho aids, e nenhuma garota vai querer ter sexo comigo.
E se eu fizer sexo, posso mesmo ter aids, então eu morro de aids, ou de colesterol, ou de câncer de pulmão, ou de estresse, ou de vazio, ou de solidão, ou derreto o cérebro, ou piro de clinicas.
E se me colocarem numa clínica, eu vou olhar as canelas da enfermeira mau-humorada e torcer pra não me medicarem errado, posso ter um derrame, e porra, posso mesmo ficar com metade da cara paralisada, babando, chorando à seco, lendo literatura brasileira rica e esquecida, esquecido.
É perigoso morrer esquecido.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Café sem açucar

Entra sem pedir licença, me deixa brava só pra acelerar o coração.
Você sempre apareceu nos meus pensamentos sem pedir permissão, sempre veio parar embaixo da minha pele sem que eu pudesse me dar conta. Então eu te espero aqui, abre a minha porta de forma brusca, deixa tua sombra miúda se fundir nos contra-tempos dessas baladas bregas que ando ouvindo,anos 50,60,70.
Sua voz projeta ruidosas frases no meu ouvido numa frequência de 60hz.
Vem cá se misturar com a textura do meu carpete, com o cheiro dos meus livros, com a cor dos meus discos e a dor dos meus olhos.
Faço pra ti um café bem forte, sem açucar. Gosto do gosto que fica na tua boca que se movimenta dizendo coisas que só eu quero ouvir...
E só se ouve o que quer.
Você na verdade nunca esteve aqui.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

As ondas mortas

Se eu não ligo mais, por que é que olho?
E se olho, se te olho, se olho pro longe e você baixa minhas pálpebras e pede para que eu ouça o rio.
O rio está morrendo. Cansei de ouvir morte no notíciario, cansei de me despedir desse rio que não correrá mais daqui 30 ou 35 anos. E eu, aos 17, meio perdida, meio atônita.
Seja um pouco mais crente, seja um pouco mais paciênte. Perdi tanta gente nessa jornada e não me importa - Juro, não me importa. Acho que na verdade é tudo sobre mim. É tudo minha ganância e egoísmo, minha sinceridade não-mútua, meu silêncio abalador.
 Meu grande e inchado ego que tenta equilibrar o peso das costas um pouco mais para os ombros, para que segure toda a responsabilidade que despenca bem na minha cabeça, cuido da casa, cuido de ti, cuido dos pequenos, cuido da roupa, cuido da louça, cuido do desiquilibrio mental, administro tarjas pretas separados pelas iniciais da fórmula de cada laborátorio, eu não sou louca, eu sou apenas agressiva. Agressiva demais, violênta demais comigo mesma.
Não sinta pena de mim, me deixe estourar a mão em um concreto qualquer, alivia a alma, é verdade.
E as vírgulas seguem todas tão progressivas, como uma hiperventilação, como uma conversa mal resolvida, ninguem entende, ninguem acredita, e tudo isso incomoda, eu sou mesmo a porra-louca, sou sim.
A apedrejada, a sangrenta, a infiel, a descrente, a utópica garota da qual ninguém nunca deveria se aproximar.