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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Origens

Eu a amava e não era o amor que os homens sentem pelas mulheres, nem o qual as mulheres sentem por outras mulheres, nada do tipo. Eu a amava da forma única, confusa e totalmente pura que as crianças tem de amar. Não me lembro de seu nome, mas me lembro da cor dele: era dourado. Dourado como a cor dos seus cabelos, que ao contrário das outras garotas que ali cavalgam, não chicoteava-lhe as costas de forma bruta, o cabelo a beijava dorsalmente, até o lombo. O vento lambia os micro-pelos de seus braços, dourados, também. O seio era firme, dançava de acordo com os trotes, mas sempre firmes.
Abaixo dos olhos azuis, o rosto era queimado, rosado. Apesar do sol forte e da proteção quase inexistente (apenas pelo chapeu de couro esverdeado) sua pele não era judiada pelo tempo, era jovem, era doce, eu ainda não sabia adivinhar a idade das pessoas, mas sabia que ela era gente grande, gente que eu queria ser, e pedia inflada de esperança e quente pela timidez, eu pedia estentendo os braços::: Me leva contigo!
Logo, ela estava sorrindo, descendo do cavalo sem nenhuma dificuldade, e no cavalo me acomodava dizendo: segura forte, menina.
E quando galopávamos, eu me sentia a pessoa mais importante do mundo.
Meu cabelo era quase da cor do dela, e os dois se misturavam quando o por do sol chegava, e quando voltávamos para a casinha da fazenda, cobertas de poeira, ela desabotoava as botinhas de couro surrado, se despedia de mim com um sorriso.
Todos se ajeitavam para dormir logo quando a noite caía, exeto os homens, que bebiam uma água que me ardia os olhos, e jogavam cartas, e eu logo escapava pela porta de madeira azul da cozinha e ia me acomodar no colo de meu pai, que adorava exibir a beleza infantil da filha miúda.
Eu, atenta, olhava as cartas sendo violentamente jogadas na mesa redonda um pouco manca. Com um dedo na boca, me lembro de observar as rugas que se formavam no rosto de meu pai, toda vez que sorria, e como sorria! De repente eu queria ser homem também. Queria fazer xixi em pé também. Queria saber jogar truco e falar de futebol. Oh, meu pai ficava tão feliz no mato. Bicho-do-mato, bicho desletrado, bicho açoitado pela vida e um pouco chucro, um pouco doce, um pouco Homem, bastante bicho.
Depois, quando o meu pai me enxotava de lá, provavelmente quando os assuntos de homem-bicho começavam a surgir, eu ia me enrolar nos caracóis de minha mãe, que dormia um sono mal dormido, mãezinha nunca fora bicho do mato, não. Detestava ter de tomar leite recém retirado da vaca, e eu, me sentia na obrigação de imita-la, torcia o nariz e não tomava o leite. Tomava então o café coado no pano, torcendo a lingua, mas fingindo gostar. Depois, ia me sentar junto aos livros da mamãe, e sozinha, ia aprendendo a juntar as palavras, e fazia isso até a garota dos cavalos acordar. Quando ela acordava, eu queria ser mulher de novo!
O tempo passou, acabei seguindo muito minha mãe, que nem sempre me sorriu como meu pai sorria. Mas por obrigação, tomei café, li mais de cem livros, escrevi diários, não cavalguei mais. Aprendi a odiar futebol, e acabei odiando o pobre bicho que é meu pai.
Mas ora ou outra ainda acabo amando uma loira aqui, e tomando uma pinga por ali.

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