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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Luca

Luca meteu um cigarro na boca e saiu em diáspora cortando os ventos daquela manhã feverina. O sol agredia os olhos e coloria o céu, ao mesmo tempo que ela sorria sem estar feliz, e ensaiava ranger das mordidas que nunca precisaram de fato existir. O esmalte dos dentes era mais desgastado que a mochila agoniante presa aos ombros, pesando nas omeoplatas.
Mordia os próprios dentes e movia as têmporas sem saber o porquê. "Exgomungada do diabo" disse a si mesma ao olhar seu reflexo no vidro de um carro preto.
Luca tem um par de seios moldados pelas mãos de um anjo, tem duas janelas no lugar dos olhos, onde se derrama pelo céu, uma intensa pincelada de anil, outrora, cinza como os trilhos de um velho trem, ou a fumaça que fica um tempo presa nos fios do cabelo fino, e então vai embora, vai pela janela, nada aqui se dá o luxo de usar a porta.
Luca pula a janela as vezes, depois do colégio, e conta as nuvens, exatamente nua no campo mais distante. Nua, despida dos dogmas e dos pudores, nua de sí mesma, e conta até esfriar.
Volta então, balança os alvos pés do telhado, sempre olhando pra cima, com os esmaltes descascados cor de ébano, apontados para baixo.
Luca, minha querida, se você for pular, não esqueça os seus sapatos de pano.

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