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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Doce suicídio.


Rua Still, 128.
 O telefone toca, ecoa na casa. Água por todas as partes, não há ninguém para atendê-lo?
 Como envolta por uma cor envelhecida, as lembranças começam a se reconstruir na mente tão assustada que já havia esquecido a razão de tudo.
  Ouço uma voz, doce voz... Que eu já conhecia, a minha voz.
Não olhe agora, mas você está sozinho. Seus olhos se fecham, a culpa te cegou.
 Não olhe agora, porque estou perdida, isso me incomoda. Os cacos escaparam da minha mão acidentada, tingindo de vermelho as cartas amassadas no meu colo, os cacos estilhaçaram ao chão e ninguém vai me ajudar a recolher, por que... Não olhe agora, mas eu também estou sozinha.
  Conheço seu sorriso, conheço seu cheiro, conheço seus medos e sei que assim como eu, você não está feliz.
  O que você diria se hoje fosse o dia do meu fim?
Diria que sente muito... ? Ou que eu vou para o inferno?
  O inferno é tão vasto quanto minha respectiva consciência.
Água escorre, baila no ar. Despejam-se e se juntam cada gota, na porcelana reluzente da banheira branca; Refletem minha imagem tão nítida quanto à de um míope que acaba de ter seus óculos quebrados. Ou seria eu a míope? Que não enxergou o começo do fim há tanto tempo?
  Dispo-me das minhas vestes. A água quente me chama, tenho a impressão de que tudo que me deseja no mundo é apenas a banheira branca. Meus cabelos se imergem totalmente na  água, que começa a se tingir pelo sangue da minha mão acidentada, ou talvez proposital. Os reflexos avermelhados da água começam a se fazer na luz do banheiro, Meus cabelos espalhados ali. É, daria uma pintura, Se algum pintor fosse capaz de transpassar da realidade para a tinta, a minha dor.
  Como soldados, feridos, ainda conseguem sorrir por darem a vida pela pátria, um sorriso leve faz tremer os cantos de meus lábios.
  Levanto-me. As gotas passeiam lentamente pela minha pele. Apanho a toalha branca, que se mancha igualmente do vermelho. O secador já ligado na minha mão faz meus fios se espalharem dessa vez ao vento.
  O vento que toca meu rosto, o frio que congela minha alma, eu abro os olhos. É loucura, mas no reflexo dos meus olhos eu vi os seus.
 Caminho até a banheira, que já quase transborda. O frio atingiu minha pele dessa vez, e meus lábios já quase sem pigmentação, pálidos... Dentro da banheira o aparelho ainda ordena que o vento espalhe os fios de meu cabelo.
  O que você diria se... Eu morresse hoje?
Um fio de medo eletriza meu espírito, OLHE AGORA. Eu não estou sozinha dessa vez. Porque eu já vi o anjo negro ao lado do relógio, ao lado da foice.
 Um sorriso estranhamente perturbado invade meu rosto antes sem expressão.
  “Eu me vou, meu amor.”
As palavras saíram involuntariamente da minha boca, e eu decidi partir.
 Meus dedos frios lentamente vão se libertando da pressão, se soltando, um a um.
  O secador lançado na banheira.
Eletriza a água, eletriza a alma, alivia.
Eu decidi acabar com tudo de uma vez... Imersa ao meu sangue, imersa as marcas do meu passado, a minha dor perpétua.
  Você sabe que eu morreria por você. Você sempre soube.
Eu morreria várias vezes, se fosse preciso.
  Só por você, que nunca vai entender, porque um coração destruído pode destruir uma vida. Eu não suportaria te perder... Cronicamente, dessa forma.
  Então vi ali meu corpo sem vida.
O soldado chegou ao seu limite...
 Não é porque eu dei a vida por você, que significa que eu me importo.
  Suicídio na Rua still. Doce suicídio, de um coração multilado.
  “Não há sentido em viver o que já não emite vida. Se hoje eu morri por ódio, é porque eu já havia matado minha alma antes, morrido de amor.”
 
Fui-me embora, acabei com tudo, eu parti.

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