Páginas

domingo, 23 de setembro de 2012

O homem sem nome.

-Tem um isqueiro parceiro? -ela perguntou, enquanto lutava para por aquele irritante fio preto de cabelo atras da orelha, perguntou no mesmo tom alto que sempre utiliza, porém, no timbre baixo, deixando evidente em sua voz o desinteresse por aquela tarde de primavera tão frágil.
-Isqueiro? -A voz dele, assustada, foi quase cuspida de suas cordas vocais, como se tivesse entalada outrora antes. Os olhos rápidos era vivos, diferentes dos dela, e retirou com cuidado do bolso algo que ficou oculto em suas mãos velhas, cansadas. Ele ainda era jovem, não era moço, mas também não tão velho quanto suas mãos. Não tinha nome, apenas algumas tatuagens desbotadas e indecifráveis.
-Eu tenho bic.
Como acostumada a viver em meio a absurdos, ela já não pergunta, apenas surge uma pontinha de interesse naqueles olhos cor de areia, E para um homem acostumado a se comunicar por sinais, bem soube ele que teria alguém para contar sua história de quase vida.
Após acender o marlboro dela, o homem toma fôlego, olha para o céu. Falava rápido, parecia meio insano, meio interessante, meio morto, meio livre. Exatamente isso -Livre-
-Preste atenção no que eu te digo, moça, pois hoje -que dia é mesmo hoje?-
antes de responder a pergunta do até então desconhecido, ele se propôs novamente a falar, como se sua dúvida não passasse de uma pergunta retórica.
-Hoje eu saí da prisão.
Nós, não sabemos ao certo qual a reação que ele esperava, mas ela não deu um passo pra traz, nem agradeceu a brasa e se foi, apenas aguçou aquele interesse súbito que não se vê muito no rosto dela. E então, foi a primeira vez que ele deixou de lado o olhar irracional de um animal na jaula e os traços de sua feição pareceram.. Relaxar, e deu a impressão de que a muito tempo isso não acontecia.
A arqueadura de sua sobrancelha mudou, e agora, com os olhos calmos, pode continuar.
-Há doze anos atras, eu matei o estuprador da minha filha.
Então, a perturbadora sensação pareceu invadi-lo novamente, enquanto contava repetidas vezes seus códigos de guerra, As palavras proibidas, as chaves, os planos nunca vitoriosos, a dor, a solidão, a loucura. Vivendo por doze anos com animais ferozes, se tornando também um deles, pelo simples fato de ter matado um animal cruel.
 Sem saber como ajuda-lo, sem poder se envolver, Agradeceu com um rápido baixar de olhos e mover dos lábios, num quase sorriso, e foi-se embora. Deixou, por sua vez, o homem e sua liberdade, a morte e sua gratidão e o sangue na mão que não apertou.
O homem sem nome perdeu sua sanidade, liberdade e a sua criança, enquanto o estuprador, apenas perdeu a vida, suas ultimas palavras soaram como uma tentativa frustrada da reza tradicional, e agora me pergunto, o estuprador de fato de se arrependeu perante Deus e perante a morte, enquanto a pequena menina violada de nada teve culpa.
Eles estão no mesmo céu?
O estuprador e sua vítima.
Vocês são estúpidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário