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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

TEMPO

E é só quando os olhos ludibriam a mente que se torna possível enxergar com clareza as chagas pertinente a lassidão de uma alma pequena, esfolada e prostrada no chão.
É só ali, no chão de um quarto, esgadanhando com as afiadas unhas da mente a porta de madeira velha, turva, trancada, que se percebe o extremo da exaustidão de dezessete primaveras multiplicadas semi-abstratamente por um milhão de invernos.
Invernos estes que perderam a importância, a singela importância, desde quando a importância deixou de importar.
No lugar desta, foram colocadas um milhão de livros, um infinito de palavras escritas, alguns hematomas nos dedos e um constante esgotamento físico.
Não há mais tempo para acarinhar a pequena felina que implora por colo, não há mais tempo pra assistir ignobilmente a televisão junto a velha mãe, não há tempo para o por do sol e não há mais tempo pra poesia.
Não há tempo pra cuidar do corpo e do cabelo, nem mesmo da saúde, e tudo isso entristece, murcha, morre dentro de mim. Fecho o livro e fecho os olhos, sonho com poemas que não são meus.
Drummond, Meireles, Andrade.
Onde é que vocês, meus caros, arrumavam o tempo?
Pois agora o tempo passou e tranquilamente (ou não) vocês jazem abaixo dos meus pés, cansados pés.
E é só quando os pés latejam e os músculos doem que penso que talvez esse descanso nem sequer exista, e se existir, que coisa mais porca é essa do descanso divino ser embaixo da terra coberta de vermes?
Não há tempo para amar, e ouvi dizer que dessa vida só se leva o amor.
Não, não há tempo para janelas azuis, nuvens-de-algodão-doce.
Não há tempo de pensar, e pensando nisso entro em conflito existencial.
Ló-gi-ca.
Onde? Em mim? Não.
Nunca.
E na redundância do pleonasmo a vida segue e o relógio corre...
Sinceramente, perspícua e inegavelmente, não sei  bem por onde estou indo.
A porta (Ah, a velha porta) é estreita e o caminho é árduo, árido.
Não há água, só vinagre. Não há confiança, apenas dúvidas. Não há mais amizades, apenas corpos.
Corpos vazios, copos de vinho e o tempo a passar.
É só quando a garrafa chega ao fim que percebemos a falência do organismo inerte e corroído de álcool e hematomas. O álcool pra curar as feridas da alma, e a dor das feridas da alma pra desviar a atenção dos hematomas azulados que crescem de forma isômera abaixo de olhos opacos, retinas turvas e pupilas dilatadas, desgastadas, embaçadas.
Só aqui, já perdi tempo demais.




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